segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"Sorria! Você está sendo filmado!"

A questão do olhar pode ser abordada dos mais diversos aspectos e pontos de vista. Nesse texto, especificamente, focarei na relação do “olhar” com as formas de vigilância, punição e poder. Esse tema e, em particular esse subtema já foram tratados em várias obras de literatura (ficcionais) e de filosofia, que inclusive, fazem-se ainda atuais, não necessariamente em seus exemplos, mas na essência de suas teorias. É preciso primeiro apresentar brevemente essas obras para poder relacioná-las.

Em 1785, Jeremy Bentham, filósofo utilitarista pensa o Panoptico e acredita que a sua vantagem essencial seria “a faculdade de ver com uma olhadela tudo o que se passa”. Segue a descrição de Foucault sobre o Panoptico:

“O Panopticon era um edifício em forma de anel, com um pátio no meio no qual havia uma torre central com um vigilante. Esse anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior, o que permitia que o olhar do vigilante as atravessasse. Essa forma arquitetônica das instituições valia para as escolas, hospitais, prisões, fábricas, hospícios” (1977: p.87).

“O Panopticon era uma espaço fechado, recortado e vigiado em todos os seus pontos. Nele os indivíduos estavam inseridos num lugar fixo, com os menores movimentos e acontecimentos controlados. O poder era exercido segundo uma figura hierárquica contínua, o que permitia que cada um fosse constantemente localizado, examinado e distribuído” (Foucault, 1977: p.174).

Em 1932, Huxley publica o Admirável Mundo Novo que envolve aquela realidade biológica e psicologicamente condicionada e controlada. Em 1949, Orwell publica o livro 1984, que traz a idéia do Big Brother/Grande Irmão como aquele que vê tudo, mas que não é observado por ninguém. É o ver sem ser visto, dominador, totalitarista. Foucault retoma e analisa o panoptico de Bentham na década de 1970.

O ponto que levanto aqui é que o panoptico continua recente (inclusive em prisões como essa http://tinyurl.com/y85nnly ), mas também no conceito de “poucos vigiarem muitos”. Qualquer lugar que haja câmeras de vigilância (atualmente isso ocorre em quase todos os espaços públicos e comerciais) está incluído em uma espécie de panoptico.

Entretanto, nessa sociedade também ocorre o contrário. Segundo Mathiesen (1997) o modelo do panoptico foi alterado para um modelo do tipo sinóptico, em que a lógica é invertida e muitos passam a observar poucos: “os espetáculos tomam o lugar da supervisão e a obediência aos padrões tende a ser alcançada pela tentação e pela sedução e não mais pela coerção, aparecendo sob o disfarce do livre-arbítrio, em vez de revelar-se como força externa” (apud Bauman, 2001, p.101).

Seguindo esse pensamento, é como se o Big Brother pensado por Orwell coubesse na idéia de panoptico, enquanto o Big Brother Brasil, programa televisivo produzido pela Rede Globo, pertencesse à idéia de sinóptico, na medida em que milhões de brasileiros assistem a “vida” de poucos através da TV.

E é claro que isso vai muito além, pois, está presente de diferentes formas na sociedade. Todos os mecanismos de sites de relacionamentos que permitem você ver quem está ou não está online, os locais que cada um navegou, os recados que você deixou ou deixaram pra você, entre inúmeras outras ferramentas que, no fundo demonstram (ao menos) que os conceitos de indivíduo e coletivo e a noção de privacidade foram completamente alterados ao longo dos últimas duas décadas.

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