A sociedade justa pela qual os revolucionários franceses lutavam e que teria na liberdade, igualdade e fraternidade seus princípios condutores e imprescindíveis, deveria ser uma sociedade transparente, que não impusesse barreiras ao olhar do cidadão; ao contrário, deveria proporcioná-lo uma visão plena de sua estrutura e funcionamento.
Para iluminar a visão dos cidadãos e livrá-los do obscurantismo, a luz da razão e da justiça tinha que ser incorporada aos seus olhares, afastando-os assim da ignorância, de superstições equivocadas e da mentira de déspotas. Somente com a presença dessa luz, poderíamos enxergar realmente, sendo que este olhar correto das coisas é o que se vê com alma e não com os olhos, como diz Descartes. Isso porque nem a percepção dos sentidos, nem a imaginação reconhecem o verdadeiro, mas sim a razão.
Descartes não ignora o conhecimento sensível, mas acredita que este esteja subordinado à razão. Só se percebe, só se sente algo porque conhece sua essência. A verdade está na essência, assim como a luz para o nosso olhar.
No final do século XVIII, o olhar toma o lugar da luz e passa, então a iluminar as coisas. Agora é o olhar do sujeito que transforma os demais (sujeitos, instituições) em objetos de observação e os analisa minuciosamente. Esse olhar examinador promoveu grandes mudanças institucionais à época. Atento a minúcias e conferindo relevância a detalhes que para leigos pareciam banais, esse olhar analítico foi transformador. Os hospitais, por exemplo, que antes eram locais de morte, foram analisados, dissecados e a partir do novo olhar os motivos que tornavam tais lugares centros de morte e sofrimento foram detectados e solucionados. Através de uma visão total do ambiente hospitalar, engendrou-se uma nova política racional dos espaços. E nessa política, Foucault encontra uma grave ameaça aos anseios iluministas: esta mesma visibilidade que tornou os hospitais locais de cura e salvação poderia ser utilizada para fins escusos, venais, despóticos.
De fato este sistema foi utilizado para diferentes fins, desde o panoptikon, projeto arquitetônico desenvolvido por Jeremy Bentham utlizado em prisões que permitia ao vigia observar, posto numa torre central, todos os detentos sem ser visto. O panoptikon induzia os presos a uma postura disciplinada, a uma auto-consciência de seus atos e as possíveis consequências dos mesmos, isso porque eles eram vigiados constantemente, ou pelo menos acreditavam na vigilância ininterrupta.
Séculos depois, não é um absurdo dizer que vivemos numa sociedade panóptica. As construções arquitetônicas não seguem necessariamente o projeto de Bentham, mas câmeras espalhadas por todas as partes cumprem a função e subtraem a imprescindibilidade de prédios como o panoptikon. Somos vigiados sem jamais sabermos quem nos vigia.
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