O grande problema da arte hoje está na crença de alguns artistas e teóricos de que a arte pode e deve ser desvinculada da realidade. Para essa corrente teórica, o objetivo do artista é empreender uma busca por uma arte “pura”, ou seja, descomprometida com a moral ou com qualquer preocupação fora de seu campo de pesquisa, que tenha finalidade em si mesma.
Oscar Wilde e André Gilde, por exemplo, afirmam que a arte é superior e imune a qualquer determinação da ordem moral; Jacques Maritain defende que a arte não pode estar a serviço de uma tese; Kant, por sua vez, acredita que a obra artística deve ser desinteressada e livre (sem finalidade). Muitas correntes artísticas irão compactuar com essas teorias, como a pintura abstrata, a poesia parnasiana e a música pura.
É impossível dissociar ética e estética (o Belo e o Bom são indissociáveis), julgar a arte como superior a moral é totalmente equivocado, sobre isso, Ariano Suassuna em seu livro “Iniciação à Estética”, diz:
“(...) quando se faz a pergunta a respeito das relações entre a Arte e a Moral, as pessoas menos avisadas costumam identificar esse problema com o da presença, nas obras de arte, de cenas eróticas e obscenas. Então, para retirar a reflexão dos estudantes de um campo onde a passionalidade perturba tudo, costumo indagar se eles consideram legítima, do ponto de vista moral, uma obra de arte que pregue o assassinato de crianças. Pergunto se eles acham legítimo que se entregue a personalidades ainda não formadas, uma obra de arte literária, escrita por um grande escritor de personalidade doentia e criminosa, e que difundisse, entre os adolescentes, a idéia de que o prazer sexual é muito mais intenso se é obtido através da violação de crianças que são assassinadas no mesmo momento, depois de torturadas. Os estudantes, sempre, horrorizados, recuam do amoralismo que afirmaram; declaram que absolutamente não acham isso legítimo – e aí, então, eu já tenho ambiente para dar minha aula com todos eles num estado de espírito do qual foram banidas a superficialidade e a paixão.” (Ob. cit., p.240-241)
Dizer que a arte está acima da moral implicaria, portanto, que a pesquisa estética estivesse acima da lei, e a arte não fosse um campo do saber (tal qual a ciência e a filosofia) submetido a leis e capaz de influenciar política e socialmente. Seria afirmar, então, que ela não tem nenhuma relação com a realidade. Quando Jacques Maritain, diz que um discurso artístico engajado pode prejudicar a obra de arte, está certo se essa obra acaba tornando-se publicitária, e não “poética”. Porém, quando ele concorda com Kant, afirmando que a verdadeira arte não deve relacionar-se com a matéria, e deve criar um campo de saber voltado narcisicamente pra si, ele comete o mesmo erro de tantos outros teóricos de separar a arte (como a ciência e a filosofia) do mundo cotidiano.
Agnes Heller, em seu texto “O Cotidiano e a História” negará essa visão de que a vida cotidiana é apenas um espaço banal e a margem do conhecimento e do fazer histórico. Para Heller, a arte e a ciência não estão separadas do conhecimento cotidiano; o artista e o cientista, como todos os homens, têm vida cotidiana e seus objetivos estão relacionados com os problemas que a vida lhes impõe; os artistas e cientistas possuem suas particularidades individuais enquanto homens da cotidianidade; querendo ou não, quando uma obra é importante ela acaba tendo uma função no cotidiano de outros indivíduos.
Separar COMPLETAMENTE a arte (e os demais campos do saber) do cotidiano é equivocado, e, talvez, impossível. A vida genérica (mundo conceitual, artificialmente criado pela razão), é necessária para a compreensão do mundo, o afastamento é útil ao entendimento da realidade, porém esse distanciamento não pode ser permanente.
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